Em pleno século XXI, parece surreal que ainda precisemos discutir a sub-representação de continentes inteiros em um dos órgãos mais poderosos do mundo: o Conselho de Segurança da ONU. Mas essa é a realidade que vivemos. África, com seus 54 países, com mais de 1,3 bilhão de habitantes e recursos naturais que sustentam economias globais, ainda não tem um assento permanente nesse conselho. Isso é justo? Absurdo.
Uma Injustiça Histórica que Clama por Mudança
Se olharmos para o Conselho de Segurança da ONU, sua configuração parece mais um retrato empoeirado do mundo pós-Segunda Guerra Mundial do que uma representação fiel da realidade atual. Cinco membros permanentes com poder de veto – EUA, Rússia, China, França e Reino Unido – detêm o controle das decisões mais críticas para a paz e segurança internacionais. Esses países, escolhidos há quase 80 anos, ainda dominam as discussões, enquanto África, o segundo maior continente em termos populacionais, continua à margem.
Imagine viver em uma casa onde as decisões mais importantes são tomadas por poucos, sem considerar as opiniões de quem mais precisa. É exatamente assim que povos africanos se sentem em relação ao Conselho de Segurança da ONU. Não é apenas uma questão de representatividade, mas de justiça, de voz e de influência em decisões que afetam diretamente o destino de milhões de pessoas.
O Clamor por Reforma: Uma Voz que Ecoa
Durante décadas, líderes africanos têm clamado por uma reforma radical do Conselho de Segurança. O Presidente da Comissão da União Africana (UA), Moussa Faki Mahamat, foi claro em sua declaração: a fraca representação de África tem impedido a busca de soluções eficazes para os conflitos no continente. E ele está certo. Como podemos esperar que problemas africanos sejam resolvidos se as vozes africanas não têm o peso necessário nas decisões?
E não são apenas os líderes africanos que defendem essa mudança. O Secretário-Geral da ONU, Antônio Guterres, também se pronunciou recentemente, enfatizando que é inaceitável que, até hoje, África não tenha um membro permanente no Conselho. Ele destacou a importância de reformar uma estrutura que, de fato, está obsoleta, refletindo um mundo que já não existe.
A Urgência de uma Reforma: O Mundo Está Pronto?
Com a cúpula da ONU marcada para setembro de 2024, o mundo está em um momento crítico. Serão discutidas questões fundamentais que afetam o futuro da governança global, como o desenvolvimento sustentável, a paz, o controle das novas tecnologias e a tão esperada reforma da ONU. Mas será que dessa vez veremos alguma mudança real? Será que o Conselho de Segurança finalmente abrirá suas portas para a África?
Não podemos esquecer que, enquanto discutimos as reformas, cinco das onze operações de manutenção da paz da ONU estão localizadas no continente africano. Isso significa que, mesmo sem um assento permanente, África ainda carrega boa parte do peso das decisões do Conselho. O que poderia mudar se a África tivesse uma voz permanente e influente nessas discussões?
O Papel do Sul Global: Um Movimento de União
O Presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, já deixou claro que usará a presidência do G20 para promover a entrada de países do sul global no Conselho de Segurança da ONU. A inclusão da União Africana no G20 foi um passo importante, mas não pode ser o único. O sul global, que inclui África, América Latina e partes da Ásia, tem um papel crucial na construção de um mundo mais justo e equilibrado. E isso começa com a reformulação das estruturas de poder globais.
Diante desse cenário faz-se imperativo colocar-se o questionamento: É justo que o continente africano continue sendo sub-representado no Conselho de Segurança? Será que estamos prontos para abrir mão de um sistema arcaico que prioriza poucos em detrimento de muitos? Ou será que continuaremos a assistir passivamente enquanto decisões que afetam bilhões de pessoas são tomadas por um seleto grupo de países interessados unicamente no lucro e na exploração dos povos do sul global?
Desafios e Esperanças: O Futuro da Reforma
A luta pela reforma do Conselho de Segurança não será fácil. Os cinco membros permanentes têm o poder de veto e, até agora, resistiram a qualquer tentativa de mudança que pudesse diluir sua influência. Mas a pressão está aumentando. Mais de 50 delegações participaram do debate recente no Conselho, e a maioria delas apoiou a ideia de “soluções africanas para os problemas africanos”. Isso não é apenas uma frase de efeito, mas um chamado à ação para uma nova ordem mundial.
A cúpula de setembro é uma oportunidade única. Será que finalmente veremos uma mudança concreta? Será que os líderes globais terão a coragem de reconhecer que o mundo mudou e que as instituições internacionais precisam refletir essa nova realidade? Ou continuaremos a viver em um sistema que exclui vozes importantes, explora populações mais pobres e perpetua desigualdades?
Conclusão: Reflexão e Atuação Política Necessárias
O mundo precisa de uma ONU que represente verdadeiramente todos os seus membros, não apenas alguns escolhidos a dedo. A reforma do Conselho de Segurança da ONU é uma questão de justiça histórica, mas também de eficiência. Um mundo mais justo e equilibrado é possível, mas para isso, precisamos de coragem para mudar. A cúpula de setembro pode ser o ponto de virada, ou apenas mais uma oportunidade perdida. A escolha está nas mãos daqueles que têm o poder de decidir. E na nossa, como cidadãos globais, de exigir que essa mudança aconteça.
Por José Archângelo Depizzol
25/08/2024
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